Por Joice Bacelo
Decisões recentes da Justiça Federal abriram a possibilidade de contribuintes aderirem ao Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit) mesmo sem processos administrativos ou judiciais em andamento contrariando exigência da Receita Federal. Há pelo menos duas manifestações nesse sentindo. Ambas envolvem empresas que estavam na chamada situação de “limbo”.
As discussões administrativas já tinham se encerrado, mas a execução fiscal ainda não havia sido proposta. Nos dois casos, a Receita Federal negou os pedidos por entender que essa situação de “limbo” não atendia os requisitos necessários à participação dos contribuintes. Para o Fisco, o artigo 1º da lei que instituiu o Prorelit (nº 13.202, de 2015) era claro no sentido de que no momento da adesão deveria existir um litígio em curso.
Um dos casos em discussão foi julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. O desembargador Amaury Chaves de Athayde anulou, por meio de antecipação de tutela, os efeitos da decisão administrativa que negava acesso ao programa a uma fabricante de ferramentas. Ele entendeu que exigir a instauração do processo judicial para, em seguida, solicitar a sua desistência seria contrário ao que se propôs o programa.
“Não me parece que a finalidade da norma instituidora do Prorelit restaria alcançada com tal ardil processual”, afirma na decisão. “Ao invés, tal situação iria de encontro com o escopo da norma, que é a redução de litígios, tanto na via judicial como na via administrativa”, acrescenta.
Por meio desse programa, contribuintes com dívidas vencidas até 30 de junho do ano passado poderiam regularizar a situação utilizando créditos decorrentes de prejuízos fiscais e bases negativas da CSLL com pagamento, em dinheiro, de pelo menos 30% do débito consolidado.
No caso analisado, a empresa já havia recolhido cerca de R$ 500 mil em dinheiro e oferecido o restante da dívida em créditos de prejuízo fiscal e base negativa quando a Receita indeferiu o requerimento sob a justificativa de que o débito não se encontrava mais em litígio. Procurado pelo Valor, o representante do contribuinte, Vinícius Nader, do escritório Zulmar Neves Advocacia, diz que o processo administrativo envolvendo a sua cliente se encerrou no período que compreende a data em que o programa foi instituído e o prazo final para a adesão.
“Houve uma decisão final no Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] nesse meio tempo”, afirma o advogado.
“Mas o nosso entendimento foi que apesar de ter se encerrado na esfera administrativa, o litígio permanecia. O caminho natural, ao não efetuar o pagamento do débito, é a cobrança por meio de uma execução fiscal.”
Num outro caso, o juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugenio Rosa de Araújo, usou argumentos semelhantes como base para a sentença em favor de uma empresa do setor de navegação que buscava obter certidão de regularidade fiscal. O magistrado também entendeu que o ajuizamento de demanda judicial como condicionante para a inclusão da dívida no programa contraria a sua finalidade.
“Idêntica conclusão se chegaria caso se entendesse que o impetrante [empresa] teria que impugnar decisão do Carf a fim de cumprir os requisitos necessários à inclusão no programa de redução de litígios tributários”, argumenta em sua decisão. O magistrado se refere à outra via possível para a sequência da discussão após o término da fase administrativa, que é a de o contribuinte ingressar com ação anulatória antes de o Fisco propor a execução fiscal.
Representante da companhia no processo, Giuseppe Pecorari Melotti, do Bichara Advogados, entende que a interpretação da Receita Federal da maneira como foi feita nos dois casos além de incompatível com a premissa do Prorelit, acaba fomentando ainda mais litígios. “Tanto é assim que os contribuintes estão sendo obrigados a buscar o Judiciário para manter a adesão”, diz.
Especialista na área, o advogado Marcelo Bolognese, do escritório que leva o seu nome, entende que o contribuinte não pode ser prejudicado “pela inércia do Fisco” referindo-se
à demora para a propositura da execução fiscal. “Para o contribuinte, a discussão na esfera judicial é ato contínuo à decisão administrativa. O litígio não deixa de existir entre uma fase e outra”, afirma.
Ele chama a atenção que o contribuinte teria a opção de se antecipar ao Fisco, propondo ação para desconstituir a exigência tributária. Por outro lado, afirma, fomentar essa situação com o único propósito de criar condição para ingressar no programa seria uma afronta ao princípio da economia processual.
Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), no entanto, tem de ser observado o princípio da isonomia.
Principalmente nos casos em que não houve desistência, pelo contribuinte, das discussões em andamento na data em que
o programa foi instituído. De acordo com o órgão, essa foi a situação do caso julgado pelo TRF. Em nota, afirma ainda que o juiz da primeira instância, Alexandre Rossato da Silva Ávila, tratou do tema.
O magistrado destacou em sua decisão depois reformada pelo tribunal que a pretensão da empresa “violaria o princípio da isonomia, na medida em que outros contribuintes que estavam na mesma situação, ou seja, com processos administrativos em curso, deles desistiram para efetuarem o pagamento no âmbito do Prorelit. Ao contrário da autora do processo, a empresa], que resolveu apostar numa decisão administrativa que lhe pudesse ser favorável”.
Fonte: Jornal Valor Econômico
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