Dois acórdãos recentes da 1ª e 11ª Câmaras de Direito Público entenderam ser permitido vender participações societárias por um valor inferior ao de mercado
A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem se consolidado a favor dos contribuintes quando o assunto é a cobrança de ITCMD em contratos de compra e venda de cotas sociais de empresas. Dois acórdãos recentes da 1ª e 11ª Câmaras de Direito Público entenderam ser permitido vender participações societárias por um valor inferior ao de mercado. Para os desembargadores, não configuraria doação, um dos fatos geradores do imposto.
O argumento vai de encontro ao aplicado pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) em autos de infração e na Operação Loki, iniciada no fim de maio. Para o órgão, a venda de participação por rum valor abaixo do real valor patrimonial da empresa configura uma doação. Isso porque o contrato não teria intuito negocial, devendo ser invalidado – com a cobrança do tributo.
Na decisão mais recente, o TJSP analisou uma aquisição de mais de 60 mil cotas de uma empresa que administrava imóveis pelo valor de R$ 1 cada. Para o Fisco estadual, o valor correto de cada cota deveria ser o de R$ 3,50, o que elevaria o valor do contrato para R$ 217,5 mil – configurando uma “doação” de R$ 156 mil, que é a diferença entre os dois valores. Os desembargadores, porém, não viram ilegalidade e anularam o auto de infração.
“O conjunto documental, especialmente o instrumento particular de cessão de quotas e a minuta de alteração contratual, afastam, pois, a hipótese de doação das quotas societárias da empresa. Assim, não há que se falar em ocorrência do fato gerador do ITCMD, uma vez que não existiu doação patrimonial das referidas quotas”, diz o relator do processo na 1ª Câmara de Direito Público, o desembargador Vicente de Abreu Amadei.
Ele também afirma que “não há previsão legal a determinar que o valor patrimonial da quota a ser utilizado como base de cálculo do ITCMD seja o valor patrimonial real”(processo nº 100129920.2023.8.26.0024).
Em outro caso, a 11ª Câmara de Direito Público afastou a cobrança de ITCMD sobre a diferença de valor de venda das cotas de imóveis rurais por um valor abaixo do de mercado. Segundo o Fisco, era preciso pagar R$ 261 mil a mais em tributos, mas o tribunal entendeu não ser uma doação, já que não houve gratuidade na transferência (processo nº 1000353-04.2023.8.26.0168).
Na visão de Bruno Sigaud, do Sigaud Marins & Faiwichow Advogados, se fosse adotada a tese da Fazenda, o Judiciário iria autorizar “a administração pública a reavaliar o preço de toda e qualquer operação comercial, enquadrando como doação eventuais negócios de compra e venda cujo preço não se apresentasse de acordo com os critérios eminentemente subjetivos adotados pelo Fisco”. “A nosso ver, os referidos precedentes são corretos, pois prestigiam a vontade dos contratantes”, afirma.
A tese da Sefaz-SP constou nos avisos enviados aos contribuintes no âmbito da Operação Loki. O órgão diz que “o enquadramento de operações de compra e venda por valor módico [irrisório] como doação encontra amparo tanto na legislação tributária quanto na jurisprudência dos tribunais superiores”. Cita dois agravos em recursos especiais, mas que não tiveram o mérito julgado por questões processuais (REsp 1989616 e REsp 2182407).
Para Lucas Lazzarini, do Marzagão e Balaró (MZBL) Advogados, que teve um cliente notificado, os critérios da Sefaz-SP são “altamente subjetivos”. “Mostra um anseio muito grande em enquadrar operações que não são doação como se doação fosse”, diz. “É preciso procurar operações fraudulentas, até porque existe a questão social do tributo. Mas tem que ter um mínimo de critério, razoabilidade e diretriz”.
Marcelo Bolognese, sócio do Bolognese Advogados, afirma que outro grande impasse na cobrança de ITCMD é a dificuldade em estabelecer a base de cálculo. A Sefaz tem se limitado a dizer que é o valor de mercado da empresa. Isso pode ser a realidade de uma grande empresa que tem ações a bolsa e são mensuráveis”, diz ele, lembrando que, no caso das pequenas, no Simples Nacional – com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões -, a lei as desobriga de publicar balanços, o que dificulta aferir um valor de mercado.
“É uma batalha muito grande e a Sefaz-SP vai querer tributar um valor que não existe. Fica muito subjetivo o critério e é complexo para o Fisco atribuir um valor de mercado sem conhecer a atividade do contribuinte”, afirma.
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