Aproximadamente 200 auditores e 300 analistas atuarão no Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros, afirma Robinson Barreirinhas

Com o projeto de lei do “devedor contumaz” parado no Congresso Nacional, a Receita Federal anunciou ontem a criação de dois programas para prevenir e resolver litígios tributários, com foco na promoção da consensualidade e melhoria do ambiente de negócios. O PL nº 15, de 2024, pretende combater o contribuinte que deixa de pagar imposto de forma recorrente concedendo benefícios para quem participar de programas de conformidade nas áreas tributária e aduaneira.

O Receita Soluciona, um dos novos programas, funcionará como uma espécie de canal direto de contato entre o Ministério da Fazenda e entidades de classe como o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Já o Receita de Consenso objetiva facilitar a vida do contribuinte que participa de programas de conformidade do governo federal.

Por meio do Receita Soluciona, confederações nacionais representativas de categorias econômicas, centrais sindicais e entidades de classe de âmbito nacional poderão transmitir ao governo federal, por meio de um requerimento específico no portal da Receita na internet, suas principais dúvidas a respeito de questões tributárias e aduaneiras.

“Estamos abrindo esse canal para que essas entidades tenham um canal vip de interlocução com a Receita, a fim de darmos prioridades às dúvidas concentradas por esses órgãos”, disse o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, em entrevista coletiva realizada para detalhar os programas, que terão início no próximo dia 31.

O programa não abrangerá: matérias para as quais haja trâmite processual específico; arguição de constitucionalidade de lei ou tratado; solicitação de informações que podem ser obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação; atendimento e andamento processual relativos a contribuintes específicos; e denúncias.

Já o Receita de Consenso será voltado aos contribuintes com classificação máxima em programas de conformidade do Ministério da Fazenda, como o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia) e o Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (OEA). O objetivo é evitar, mediante negociação e acordo, que conflitos sobre a qualificação de fatos tributários ou aduaneiros se tornem litigiosos.

Para a aplicação desse programa, será criado o Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat), que terá aproximadamente 200 auditores e 300 analistas. Não entram no programa demandas relacionadas a sonegação, fraude, conluio, crimes contra a ordem tributária, de descaminho ou contrabando, ou infrações puníveis com perdimento.

Barreirinhas destacou que a ideia é que ambos tragam uma solução “ágil e rápida” para os contribuintes. No Receita de Consenso, o prazo para a conclusão do procedimento é de 90 dias, prorrogável por outros 90. No Receita Soluciona, o Ministério da Fazenda precisará se pronunciar em 90 dias, contados a partir do recebimento do requerimento. As demandas serão redirecionadas entre as áreas da Receita em até 5 dias, também a contar do recebimento.

O secretário da Receita ainda disse que os programas não são “uma medida arrecadatória”, embora acabem “tendo efeito arrecadatório” no longo prazo. O órgão não apresentou estimativa de arrecadação ou projeção de número de contribuintes participantes.

As duas iniciativas foram celebradas por advogados especialistas. Para a tributarista Andrea Mascitto, sócia do Pinheiro Neto Advogados, poderão ser evitadas discussões na esfera administrativa ou judicialização. “O programa Receita de Consenso ainda demonstra um maior alinhamento com a política dos demais órgãos do Ministério da Fazenda, PGFN e AGU, e modelos internacionais, como o da Alemanha”, afirma. “Também haverá a prevenção diante das potenciais condenações em sucumbência [pagamento dos honorários advocatícios e despesas processuais da parte vencedora], que hoje adotam patamares objetivos relevantes.”

Já para Marcelo Bolognese, sócio do escritório Bolognese Advogados, chamou mais a atenção o programa Receita Soluciona, “que parece disciplinar uma espécie de consultão”. Segundo o tributarista, o grande problema da consulta tradicional ao Fisco para o contribuinte tentar tirar alguma dúvida é o prazo de seis meses a um ano para receber uma resposta. “No Receita Soluciona, o prazo é de até 90 dias para uma solução”, diz.

Contudo, o advogado aponta um risco. “Quando a consulta por meio do programa for feita por entidade de classe, automaticamente, vincula todos os seus associados”, afirma. “Assim, a medida tem que ser usada com parcimônia sob pena de a resposta vir em desacordo com o que se imaginava e não caberá recurso.” O advogado explica que só se houver outra resposta sobre o mesmo assunto em sentido contrário, será possível pedir uma reavaliação.  

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